Alexandre de Moraes pode ser alvo e investigador ao mesmo tempo? Entenda
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes seria um alvo importante da suposta trama articulada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme a Polícia Federal (PF).
Conforme as investigações, os suspeitos teriam preparado uma “minuta de golpe” prevendo a prisão de Alexandre de Moraes e teriam também monitorados seus deslocamentos. As supostas intenções criminosas contra o ministro levantam questionamentos sobre se haveria algum impedimento para que ele permaneça como juiz do caso.
Na quinta-feira (8), uma operação autorizada pelo ministro atingiu Bolsonaro e ex-integrantes do seu governo, levando à apreensão do passaporte do ex-presidente.
Juristas se dividem. Para alguns, o fato do ministro do STF estar na mira da suposta organização criminosa minaria sua imparcialidade para tomar decisões no caso.
Já outros ponderam que a “vítima” dos crimes em investigação não seria o magistrado, mas, sim, o Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o presidente do TSE não seria considerado juridicamente uma parte direta interessada no caso.
Enquanto a discussão sobre impedimento divide opiniões, os juristas ouvidos concordam na crítica à decisão de Moraes de restringir a comunicação entre os advogados dos investigados.
Na decisão que autorizou a operação Tempus Veritatis (hora da verdade, na tradução do latim) contra Bolsonaro e ex-integrantes do seu governo, o ministro proibiu os investigados de se comunicarem, “inclusive por meio de seus advogados”.
Segundo o magistrado, a medida seria “necessária para garantia da regular colheita de provas durante a investigação, sem que haja interferência no processo investigativo por parte dos mencionados investigados, como já determinei em inúmeras investigações semelhantes”.
Para os juristas entrevistados, porém, a decisão é inconstitucional e fere o direito à ampla defesa.
“Advogados ficarem proibidos de falar é um absurdo completo, inclusive porque advogados tm direito de combinar estratégias de defesas”, afirma o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou uma petição ao STF solicitando que a proibição seja revertida.
“A ampla defesa não se faz presente quando desrespeitada e limitada a comunicação entre advogados e investigados, sendo inadmissível num Estado Democrático de Direito que garantias não sejam observadas em nome de uma maior eficácia de coerção e repressão”, diz a OAB na petição.
Para a advogada criminalista Marina Coelho, conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), a regra do Código de Processo Penal (CPP) citada na manifestação do STF não se aplica para afastar o impedimento de Moraes porque ela trata de ameaças feitas contra juízes quando o inquérito ou processo já foram iniciados.
O artigo 256 do CPP diz que “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”.
Essa regra busca impedir que um réu ou investigado tente propositalmente afastar o magistrado da causa.
Já no caso da investigação da suposta tentativa de golpe, as ações dos suspeitos contra Moraes, como monitoramento e plano para prendê-lo, teriam ocorrido antes da investigação sobre um suposto golpe de Estado começar.
O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua também questiona esses sucessivos desdobramentos de uma mesma investigação e avalia que isso não é suficiente para afastar a hipótese de impedimento de Moraes.
“O inquérito 4874 realmente já está instaurado há muito tempo. Só que ele é um inquérito que investiga de tudo. Foram sendo inseridas várias outras investigações de atos posteriores, incluindo agora os atos de suposta preparação para um golpe de Estado no final de 2022”, nota Pádua.
“A destituição do ministro Alexandre de Moraes (supostamente planejada pelos investigados) seria parte dessas atividades de golpistas, então não pode ter sido feita no curso da investigação delas mesmas”, acrescenta.
“E eu acho que em uma Democracia frágil como a do Brasil, com vários golpes de Estado em sua história, qualquer conjunto de decisões que enfraqueça a autoridade simbólica de um órgão é um conjunto de decisões muito perigosas”, crítica.
O juiz e professor de processo penal da USP Guilherme Madeira considera que o possível impedimento de Alexandre de Moraes no caso é uma questão complexa que terá que ser decidida pelo plenário do Supremo, já que é esperado que a defesa de um dos investigados questione a imparcialidade do ministro.
“Se a gente olhar para Constituição de 1988 e para a legislação que veio na sequência, ninguém imaginou uma situação como essa (de ameaças a ministros do STF)”, ressalta.
Fonte: O Sul