Incertezas sobre dados e imposto elevam tensão entre governo Leite e base aliada

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Abafada pela nova calamidade climática que o RS enfrenta, a conjuntura de turbulência política entre o Executivo e o Legislativo gaúchos tende a se manter nas próximas semanas. Apesar das negativas do governo em reconhecer o cenário de dificuldade na conexão com o Parlamento, aumentou o número de deputados da base que, de público ou reservadamente, reclamam da relação, solicitam maior transparência dos números sobre a situação financeira do Estado ou se dizem excluídos de qualquer articulação.

O estopim para a crise foi a nova tentativa de aumentar a alíquota do ICMS, que acabou frustrada na terça-feira, quando o Executivo confirmou a retirada do projeto. O movimento aconteceu após 32 dos 55 deputados externarem que votariam contra a proposta, um número maior do que o contabilizado em novembro, quando o Executivo fez a primeira investida para majorar o imposto. O resultado foi que, em um período de menos de seis meses, o governo precisou retirar dois projetos da Assembleia por falta de apoio.

O desgaste, avaliam em reservado deputados de partidos aliados, não atinge só o Executivo. Ele respinga nos parlamentares que, em ano de eleições municipais, são cobrados com força em suas bases, começam a pressionar por mudanças na forma como a articulação é feita e se preocupam com outras situações que continuarão a tensionar a relação.

Entre elas, a insistência na manutenção dos decretos que entraram em vigor nesta quarta, retirando incentivos fiscais de produtos da cesta básica. O que, na prática, significa aumento da alíquota do imposto sobre eles. O governo fez ajustes, postergando a elevação da taxação sobre ovos e hortifrutigranjeiros para janeiro de 2025. Mas manteve na lista atingida pelos decretos carnes, arroz, feijão, pão e leite UHT, entre outros.

Na Assembleia já tramita um projeto, apresentado no ano passado pelo deputado Adão Pretto (PT), para tornar lei a garantia de isenção de ICMS sobre produtos da cesta básica. O texto aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde tem como relator o líder do governo, Frederico Antunes (PP). Na última terça, nove deputados de cinco siglas (PL, MDB, Republicanos, PSDB e Novo) divulgaram nota informando que pretendem apresentar outro texto para blindar a cesta básica de elevações no tributo.

As sete falhas apontadas pela base

Em novembro, deputados da base foram comunicados sobre o envio ao Parlamento, em regime de urgência, de um projeto para aumentar a alíquota básica do ICMS, de 17%, para 19,5%. A informação causou surpresa e os primeiros questionamentos sobre rumos da articulação política, já que as informações anteriores eram de estabilidade nas contas, sem indicativos da necessidade de elevação de impostos.

Para justificar o aumento, na época o governo apontou dois fatores. Queda de arrecadação devido a lei federal 194, que em 2022 havia limitado a 17% o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações. E o escape de prejuízos decorrentes de mudanças previstas na reforma tributária nacional referentes a distribuição do bolo tributário. Os dois motivos foram considerados frágeis pela base. Porque já havia ocorrido negociação com o governo federal sobre parte das perdas da 194. Porque a cobrança de ICMS sobre combustíveis já era única em todo o país, com valor em reais. E porque, na sequência, o texto final da reforma nacional não ter o artigo questionado pelo governo gaúcho.

Em dezembro ocorreria o terceiro equívoco apontado por parte dos aliados. O governo publicou decretos para entrar em vigor em 1º de abril de 2024 caso os deputados não aprovassem o aumento do ICMS. Os textos estabeleceram retirada de incentivos fiscais de 62 setores, ampliação do ICMS sobre produtos da cesta básica e limitações na aquisição de itens e insumos do RS. A pressão foi interpretada como uma tentativa de imposição do Executivo. Sem apoio, o governo retirou o texto da elevação do ICMS, mas manteve os decretos.

Em 27 de março, a Assembleia aprovou um recurso garantindo a continuidade da tramitação de um dos projetos de decreto legislativo que pleiteia a suspensão dos decretos sobre os incentivos fiscais. No dia seguinte, o governo prorrogou o início da vigência dos textos em um mês. Mas, em conjunto, teria cometido o quarto deslize na negociação política: sinalizou que enviaria novo texto de majoração do imposto à Assembleia.

Em 11 de abril, o Executivo protocolou uma nova proposta, desta vez com elevação do ICMS para 19%. A ação é listada entre parlamentares como a sexta falha nas tratativas. Tanto porque o governo mudou os motivos para defender a majoração, como pelos números em si. Sobre os motivos, surgiram a necessidade de pagar precatórios, cumprir os investimentos mínimos necessários na Educação, reajustar salários de servidores e sustentar as parcelas da dívida com a União. Sobre os números, no mesmo 11 de abril, entidades como Fiergs, Federasul e CDL abordaram na Comissão de Finanças da Assembleia dados da Secretaria da Fazenda sobre as boas expectativas para o ano. E a arrecadação de R$ 2,3 bilhões de ICMS a mais no primeiro trimestre, comparados com igual período de 2023. O valor ultrapassa o crescimento projetado pelo próprio governo para o ano inteiro, já que o previsto na lei orçamentária era de que nos 12 meses de 2024 a arrecadação somasse R$ 2,1 bilhões a mais do que a de 2023.

No dia seguinte, 12 de abril, teria ocorrido o sétimo deslize. Depois de reenviar um projeto que enfrentava alta resistência ao Parlamento, o governador embarcou para uma missão de 12 dias pela Europa. O período correspondia a quase metade daquele da tramitação do texto. Os dois principais articuladores políticos, o chefe da Casa Civil e o líder do governo na Assembleia, viajaram também, bem como o presidente do Parlamento. A oposição ocupou espaço e a base, nas palavras de um dos principais aliados no Legislativo “terminou de se perder.

O que dizem os líderes na Assembleia

“O calendário eleitoral tem sido o motivo maior da resistência no Parlamento, e isto não tem como contornar. Identificamos que não havia o interesse dos deputados em votar o texto neste momento. O fato é que estamos aqui na função de representar o governo e o ônus que enfrentamos é aquele que existe quando se admite que é necessário fazer gestão.” (Frederico Antunes, líder do governo na Assembleia e integrante do PP, que tem o maior número de cadeiras na base. Contabilizado como voto a favor do aumento do ICMS)

“Foi positivo o movimento do governo em retirar o projeto, porque entendeu que não possuía a adesão adequada. E concordo, não tinha voto. Sobre os decretos, são outra celeuma. As medidas de mitigação sobre a cesta básica são importantes. Mas continuaremos conversando para que os demais produtos sejam protegidos. Há mais itens que precisam de atenção.” (Guilherme Pasin, líder da bancada do PP. Abriu voto contra o aumento do ICMS)

“Percebemos que existe uma guerra de narrativas e que a maioria opta por aquilo que lhe convém. Acreditei que haveria uma maior sensibilização agora, mas não foi o que aconteceu, e o governo retirou o texto e desidratou os decretos. Agora, sobre os decretos, precisamos acompanhar como cada setor vai se comportar e, na sequência, fazer uma reanálise.” (Edivilson Brum, líder da bancada do MDB, a segunda maior da base aliada. Contabilizado como voto a favor do aumento do ICMS)

“O governo apresenta dados sem uma sequência lógica, o que gera insegurança entre os deputados de partidos da base. Estes seguem sem as informações detalhadas que lhe permitiriam fazer uma defesa adequada da gestão. Conseguimos demonstrar com números que a arrecadação está crescendo. E a população passa uma mensagem clara, de que não quer aumento de impostos.” (Patrícia Alba, vice-líder da bancada do MDB e presidente da Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle. Abriu voto contra o aumento do ICMS)

“O governo cometeu um erro político grave ao propor a majoração do ICMS. Ampliou o erro mantendo os decretos e, neles, parte dos itens da cesta básica. É perverso um Estado ter mais de R$ 13 bilhões em renúncia fiscal e decidir retirar benefícios justamente de produtos da cesta básica para arrecadar, somadas ainda outras medidas, R$ 850 milhões. Certamente tinha outras alternativas.” (Miguel Rossetto, vice-líder da bancada do PT, a maior de oposição. Abriu voto contra o aumento do ICMS)

“Além de não identificarmos a necessidade de aumentar impostos, de não haver fato novo em relação ao ano passado, o governo demonstra uma falta de sensibilidade incrível neste momento. Estamos no meio de mais uma tragédia em função das chuvas, muitos gaúchos vão perder tudo, de novo, e o que o Executivo faz? Aumenta o preço dos alimentos.” (Rodrigo Lorenzoni, líder da bancada do PL, a segunda maior de oposição. Abriu voto contra o aumento do ICMS).

Fonte: CP

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