Cidades gaúchas querem mudar bairros de lugar após tragédia das chuvas
Ao menos quatro cidades que foram severamente atingidas pelas enchentes do Rio Grande do Sul planejam mudar parte da área urbana para fora da região sujeita a inundações. São localidades de pequeno porte, situadas em calhas de rios, e que enfrentaram de dois a quatro desastres naturais em menos de um ano.
Especialistas afirmam que outras cidades precisam seguir os exemplos de Barra do Rio Azul, Muçum, Roca Sales e Cruzeiro do Sul e não reerguer as estruturas destruídas no mesmo lugar. Para eles, com as mudanças climáticas, novas enchentes virão.
Em coletiva de imprensa nessa sexta-feira (10), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, afirmou ter solicitado que o levantamento de impactos da Defesa Civil também inclua a identificação de localidades que possam eventualmente não ter mais população fixa. “Isso está no nosso radar e no nosso plano de ação.”
“(Teremos) um olhar específico para aquelas cidades que terão a necessidade de um planejamento excepcional de transferência de de locais inteiros, o que vai envolver um custo multibilionário para as necessidades de indenizações para as pessoas que vivem nesses lugares e transferência para um novo lugar, que deveria ser também urbanizado. Nós entendemos que é pertinente para algumas cidades, algumas localidades críticas. Aí vamos buscar a condição de fazê-lo”, disse Leite.
Em Barra do Rio Azul, cidade de 1,7 mil habitantes no norte do Estado, o prefeito Marcelo Arruda pretende mudar o comércio e as casas que estão nas margens dos rios Paloma e Azul para uma área mais distante, fora da região de inundações.
A nova área urbana ficará a 600 metros do centro atual, em um terreno mais alto. O plano é dar os lotes como permuta pelos terrenos ocupados atualmente. “Foi a segunda vez nos últimos seis meses e a população não aguenta mais. Nossa obrigação é pensar e planejar para evitar novos prejuízos para os moradores e para o município”, disse.
A convite do prefeito, especialistas da Universidade Regional Integrada de Erechim (URI Erechim) estiveram na cidade no último dia 5 e fizeram um levantamento para planejar a mudança. Na quinta-feira (9), o geógrafo Vanderlei Decian, coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e Planejamento Ambiental da universidade apresentou o primeiro estudo para a realocação dos imóveis. “Estamos trabalhando para dimensionar as cotas de inundação e em projetos para melhorar o escoamento das águas desses rios”, disse Decian.
Um problema já detectado é que duas pontes, uma delas de 1950, com estrutura de pedra, construída no período da colonização da cidade, são estreitas e acabam represando a água durante as cheias. “Árvores e troncos que descem com a correnteza acabam parando nessas estruturas que são muito resistentes e formam uma espécie de dique”, explicou.
Conforme o especialista, a região foi colonizada por imigrantes italianos, alemães e poloneses que se estabeleceram próximos aos rios para se abastecer e usar a água para consumo dos animais ou geração de energia.
Decian estima que, dos 32 municípios da região, à margem do Rio Uruguai, ao menos 15 têm problemas com inundações.
“São cidades pequenas em que as pessoas se conhecem e têm contato direto com o prefeito. Esses desastres mexem com a cabeça do gestor público. As gestões estão começando a se organizar para evitar e prevenir, senão os moradores vão embora. Ninguém que investir onde pode vir uma enchente e levar embora o investimento”, disse.
Além de Decian, a engenheira agrícola Raquel Paula Lorensi, especialista em hidrologia, a bióloga Franciele Rosset de Quadros, doutora em ecologia e as engenheiras civis Cristina Vitorino da Silva e Diniane Baruffi integram a equipe da URI Erechim que fazem os estudos para realocar parte da cidade de Barra do Rio Azul. A previsão é de que os estudos sejam concluídos em 30 dias para serem apresentados à Câmara e à população, através de audiências públicas.
Ainda não há prazo para o início da mudança, mas o prefeito disse que não quer esperar uma nova enchente.
Ele lembra que a primeira grande cheia aconteceu em 1953 e a última tinha sido em novembro do ano passado. “Nesta de agora a água subiu de 2 a 4 metros a mais e sabemos que as enchentes vão ficar mais frequentes. Estamos alinhando o cronograma com a direção da universidade, em conjunto com a Defesa Civil. Pedimos apoio também à Universidade Federal Fronteira Sul. Estou no segundo mandato e espero iniciar a mudança antes de deixar a prefeitura”, disse.
Arruda, que também é vice-presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, espera conseguir uma linha de financiamento junto ao governo federal para que os moradores possam construir as novas casas. (José Maria Tomazela/O Estado de S. Paulo)
FONTE: O SUL.