Começa semana decisiva para o futuro de Bolsonaro

Com base no conjunto de provas, nas indicações feitas pelo ministro Alexandre de Moraes durante a leitura do relatório e na gravidade dos crimes, juristas ouvidos pelo Correio do Povo reforçam serem nulas as chances de absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro no processo da trama golpista, a ação penal (AP) 2668.

O julgamento do chamado núcleo crucial, ou núcleo 1, da AP 2668, tem oito réus, sendo Bolsonaro o mais ilustre. Começou no dia 2, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), e será retomado nesta terça-feira, 8.

Além das manifestações de Moraes no processo, a avaliação geral é de que posições dos outros quatro ministros integrantes da turma em diferentes momentos apontam para a concordância entre eles pela condenação.

Não será surpresa, contudo, se o ministro Luiz Fux apresentar divergência sobre alguns pontos, que fazem parte também das teses defensivas. As defesas trabalham pela absorção de um crime pelo outro nas acusações de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. E pela desclassificação (a mudança da qualificação para um crime de menor gravidade) nos dois crimes de dano. Ambas as situações diminuiriam as penas.

“As defesas tentam claramente reduções de pena. Não fazem debate forte sobre as provas. Focam em tentar excluir seus clientes do conhecimento ou participação nos crimes. A fragilidade disto é que o somatório de todas as pessoas que nada sabiam resultou em uma trama completa”, elenca o professor Ricardo Gloeckner, da pós-graduação em Ciências Penais da PUCRS e do programa Maestría en Criminología Aplicada, da Universidad San Carlos da Guatemala.

Gloeckner explica porque, por exemplo, a defesa de Bolsonaro não tratou, na sustentação oral, da acusação por liderar organização criminosa armada. “Na sustentação oral os advogados não desperdiçam tempo com pontos nos quais o cliente não tem chance. Trabalham no que acreditam que possa render algum fruto. Neste caso, centraram nas discussões sobre a absorção e a desclassificação.”

O advogado criminalista Marcelo Peruchin, professor de direito penal e processual penal da PUCRS, avalia que, mesmo que aconteça divergência de Fux, com a possibilidade de exclusão de algum dos crimes do enquadramento, especialmente os de dano, a turma dificilmente aplicará a tese da absorção.

“O concurso formal (aplicação da pena de um dos crimes quando são cometidos dois ou mais em uma única ação ou omissão) e a absorção, duas das teses defensivas, é muito difícil que passem. Como os crimes têm bens jurídicos diferentes, entendo que a tendência é concurso material (penas que se somam) e que a Corte não aplicará a absorção para nenhum deles.”

Sobre a condenação, Peruchin projeta que dificilmente haverá divergência. “O que vejo é a tendência de o STF reconhecer a prática de todos os crimes. O relator já aponta para o enquadramento do ex-presidente nos cinco”, adianta.

O advogado criminalista Norberto Flach chama a atenção para a importância dos tipos de crimes em análise. Ponto que, conclui, vai influenciar de forma incontestável os votos. “Os ministros se mostram muito cientes da sua responsabilidade em proteger o Estado Democrático de Direito. Nesta hora, pesa bastante a preocupação com a proteção da democracia. O STF não vai ser muito garantista neste caso”, assegura.

Na semana passada, na primeira sessão do julgamento, a defesa da democracia e a necessidade de punir os que atentam contra ela, para que os crimes não se repitam, ganharam destaque no relatório lido pelo ministro Alexandre de Moraes.

O DETALHAMENTO DOS CRIMES

Organização Criminosa Armada

Artigo 2º da Lei 12.850/2013. A lei define organização criminosa como a associação de quatro ou mais pessoas para obter vantagens praticando infrações penais. Suas punições são aplicadas a quem promover, constituir, financiar ou integrar a organização. Valem também para quem impedir ou embaraçar investigações que a envolvam. A pena vai de três a oito anos de reclusão, além de multa, aumenta até a metade se houver emprego de arma de fogo, e é agravada para quem exerce o comando. Vários outros pontos podem aumentar ainda a pena de um sexto a dois terços. A PGR qualificou Bolsonaro como líder da organização criminosa da trama golpista.

Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito

Consta no Capítulo II do Código Penal (CP), incluído em 2021, e que trata dos crimes contra as instituições democráticas. É o Artigo 359-L que tipifica como crime tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. A pena varia de quatro a oito anos de reclusão, além da correspondente à violência.

Tentativa de Golpe de Estado

Também parte do capítulo dos crimes contra as instituições democráticas, o Artigo 359-M do CP estabelece punição para quem tentar, por meio de violência ou grave ameaça, depor o governo legitimamente constituído. A pena vai de quatro a 12 anos de reclusão, mais a correspondente à violência.

Dano Qualificado Contra o Patrimônio da União

O crime de dano (destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia) consta no Artigo 163 do CP. No caso da trama golpista, há três agravantes ou qualificadoras: emprego de violência ou grave ameaça; contra o patrimônio da União; e com prejuízo considerável à vítima. Com os agravantes, a pena varia de seis meses a três anos de reclusão.

Deterioração do Patrimônio Tombado

Previsto no Artigo 62, I, da Lei n. 9.605/1998, que trata das sanções para quem destruir, inutilizar ou deteriorar bens especialmente protegidos. Tem pena de um a três anos de reclusão, e multa.

*Para todos os crimes, a PGR pediu a observação dos artigos 29 e 69 do Código Penal. O 29 aborda a importância da participação de cada réu. O 69 é o do chamado concurso material: prevê que, quando alguém pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, as penas são somadas.

Fonte: CP

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