Everardo Maciel: ‘Política tributária deve ser amistosa, não hostil’

O ex-chefe da Receita Federal considera equivocadas a reformas dos impostos sobre o consumo e a que prevê ampliar a isenção do IR. Sobre o PLP 182/25, que afeta empresas do Lucro Presumido, enxerga nele defeitos do início ao fim

O conteúdo do PLP 182/25, enviado recentemente pelo governo à Câmara dos Deputados, que propõe cortes em benefícios fiscais e aumenta a base de cálculo do IR e da CSLL das empresas que apuram impostos pelo Lucro Presumido, surpreendeu o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.

Em entrevista ao Diário do Comércio, o ex-comandante da Receita entre 1995 e 2002 não poupou críticas à atual política tributária, à reforma dos impostos sobre o consumo, à perda de atratividade do Simples Nacional e ao projeto que propõe isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais. Veja abaixo: 

Diário do Comércio – O PL 182/25 prevê, entre outros pontos, aumento no percentual de presunção (10%) incidente sobre a parcela bruta total que exceder R$ 1,2 milhão ao ano das empresas optantes pelo Lucro Presumido. Afinal, esse regime tributário é incentivo fiscal?

Everardo Maciel – Evidentemente que não. A renda pode ser tributada por uma dessas três formas: Lucro Real, Presumido e Arbitrário. Então, é uma modalidade de tributação da renda com previsão no Código Tributário Nacional (CTN) desde a década de 1960. Portanto, operar qualquer tipo de alíquota ou base de cálculo do Lucro Real ou do Lucro Presumido não é, nem de longe, incentivo fiscal.

Aliás, o conceito de incentivo fiscal recentemente tem sido muito mal tratado no Brasil, juntamente com o da renúncia fiscal, das imunidades. Colocar o Lucro Presumido nessa proposta é completamente estranho ao assunto que estão tratando.

O projeto, como um todo, é defeituoso. Outro equívoco é usar Projeto de Lei Complementar para alterar alíquota. Isso porque a base de cálculo do Lucro Presumido é objeto de lei ordinária. Portanto, matéria de lei ordinária deve ser tratada por lei ordinária. Infelizmente, há no Brasil uma completa desatenção à norma e mistura-se tudo.

São muitos os exemplos de confusão que pairam no país. O Simples, por exemplo, não é renúncia fiscal. Zona Franca de Manaus não é renúncia fiscal. Essa isenção está abrigada na Constituição Federal.

O erro geral desse novo projeto é propor corte linear nos incentivos fiscais, renúncias fiscais ou gastos tributários em 10%. Por que 10%? Isso é uma evidência da preguiça em lidar com o assunto. A forma mais inteligente seria eliminar tudo aquilo que não tem sentido e preservar o que tem sentido.

A bússola da tributação, no meu entender, é a moralidade. A moralidade do Estado e do contribuinte. São duas mãos, duas vias. Quer dizer, o Estado tem que mostrar ao contribuinte que ele pratica a moralidade. E exerce e executa o princípio da confiança e da reciprocidade.

O que é e qual a importância do regime do Lucro Presumido para as empresas?

Everardo – É um regime tributário que aparece no Código Tributário Nacional na década de 1960 e, na verdade – descobrimos na época em que eu estava à frente da Receita Federal – possui uma alíquota efetiva maior que a do Lucro Real. Mesmo assim, os contribuintes o preferem. Por que, então, os contribuintes querem pagar mais? Porque eles são racionais. O regime do Lucro Presumido é extremamente simples de calcular, insuscetível de sonegação, isento de problemas fiscais e o contencioso é zero.

Há críticas de representantes do setor produtivo de que o governo quer minar micro, pequenas e médias empresas. Na reforma tributária, por exemplo, o Simples perde sua atratividade. Agora, essa proposta de aumentar a tributação das empresas do Lucro Presumido. Como o senhor vê essas críticas?

Everardo – O nome disso é dissonância cognitiva. Ou seja, o governo quer simplificar, acabando com o Simples. É uma contradição, uma maluquice, uma coisa insana.

Sempre, no exercício de qualquer política pública, inclusive a tributária, é preciso saber distinguir as coisas e não buscar tratamento uniforme. Se está na Constituição que as micro e pequenas empresas devem ter um tratamento tributário privilegiado e simplificado, negar isso é estar na contramão do que diz a Constituição.

Há diversas formas de preservar as empresas do Simples, como, por exemplo, dar um crédito presumido. E o que de fato existe, é visível e me parece uma coisa doentia, é a pretensão de sufocar, asfixiar o Simples e isso, certamente, vai levar ao aumento da informalidade.

É preciso que a política tributária seja amistosa, não hostil e ofensiva à moralidade tributária. Isso porque tributo, como diz Ives Gandra, é norma de rejeição social. É preciso fazer com que as pessoas queiram pagar impostos.

O senhor é um crítico da reforma tributária do consumo que está em fase final de regulamentação e já a apelidou de “geringonça”. Quais os principais problemas, na sua visão?

Everardo – A reforma tributária tem alguns elementos completamente inviáveis, a começar pela questão da gestão. Alguém já fez a conta de quanto vai custar para financiar essa reforma?

Para viabilizá-la, foram criados fundos como forma de cooptar os Estados. Esses fundos, num prazo de 20 anos, a preços de hoje, custam 1 trilhão e 58 milhões de reais. Acontece que a única fonte possível é o Imposto de Renda. E quase a metade da arrecadação é partilhada com estados e municípios. Quer dizer, cobra-se do contribuinte 2 trilhões e 100 bilhões de reais.

Para este ano, estava programada a liberação de R$ 8 bilhões e, até agora, nada foi liberado. Ou seja, os estados concordaram em acabar com os incentivos fiscais e apoiaram a reforma em troca de uma compensação, que não sai. 

Outra anomalia da reforma tributária é o Comitê Gestor, que terá uma competência extravagante para regulamentar e administrar um imposto que será partilhado com estados e municípios. Vamos pensar na sua composição. São 27 estados que podem, facilmente, ser representados nesse Comitê, que terá 54 membros. Mas o país tem mais de 5,5 mil municípios. Como será essa representação? Por eleição, por sorteio?

Outro absurdo é o condicionamento do aproveitamento do crédito ao pagamento na etapa anterior. Como é que você faz o preço? Haverá a certeza de que a empresa da qual você adquiriu o produto vai realmente pagar?  

O projeto que prevê isenção do imposto de renda para rendimentos até R$ 5 mil avança no Congresso, apesar da tensão com o governo. O senhor acha que vai passar?

Qualquer projeto que implique uma concessão de benesse é fácil de passar no Congresso. A contrapartida é outra história.

É preciso esclarecer. Na relação limite de isenção e PIB per capita, se passar a isenção de R$ 5 mil, o Brasil só terá limite inferior ao dos países nórdicos. O valor é maior na comparação com qualquer país do continente americano, exceto os Estados Unidos e o Canadá. É maior que o da China e do Japão.

Se o limite de isenção fosse corrigido de 1994 para cá, o que ninguém faz no mundo, ainda assim seria inferior a R$ 5 mil. Ou seja, é um aumento real do limite de isenção.  

É preciso entender que limite de isenção não é instrumento de progressividade, mas administrativo. O instrumento de progressividade é a cadeia que sucede a ele. Não é ele. Bom, e por que todo país tem? Por uma razão administrativa. Porque, em certa circunstância, é mais barato não cobrar do que cobrar.

Então, esse projeto é demagógico e eleitoral. Sobre a compensação proposta no texto, é o pior projeto que eu já vi escrito na minha vida. Foi feito por quem não entende do assunto. Certamente, a Receita Federal não participou da sua elaboração, porque tem erros crassos e absurdos, além de coisas bem curiosas.

A proposta estabelece (pelo menos a original) que pessoas físicas que tiverem lucros superiores a R$ 50 mil por mês provenientes de uma empresa deverão pagar IR. Qual a explicação para esse valor?  A única interpretação que encontrei foi a de multiplicar R$ 5 mil (limite de isenção) por 10. Não tem outra explicação.

Fonte: Diário do Comércio

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