Mano Menezes: “Não dá para competir com o Flamengo nas regras do Flamengo”

Mano Menezes não responde só o que lhe é perguntado. É dos raros casos que aproveita o questionamento para abordar o macro. Julga importante acrescentar o contexto quase sempre nas respostas que dá. Por isso, quando se tem uma hora para conversar com o técnico trazido com a temporada em curso no Grêmio, é preciso aproveitar.
Logo depois do almoço dessa quinta-feira no refeitório do CT Luiz Carvalho, local da “melhor comida de todas”, ele recebeu a reportagem do Correio do Povo. “Talvez só em Minas tenha igual”, quis fazer justiça ao elogio feito à dupla de cozinheiras Diva e Gringa, xodós do vestiário gremista há décadas.
Como habitual em se tratando de Mano, o técnico não fugiu e nem se esquivou de nenhum tema, seja dentro ou fora do campo. Abaixo, os principais temas do bate-papo.
MUNDIAL DE CLUBES
“Esse Mundial proporcionou a gente enfrentar clubes de diferentes níveis, de clubes mais parecidos com os nossos também, de nível técnico. E isso vai ser extremamente positivo para os clubes brasileiros, ter esse parâmetro de, mais ou menos, medir se estamos indo na direção certa. Se não estamos, como podemos enfrentá-los em outras oportunidades. Acho que isso vai ter uma grande valia para nos incentivar a cada vez nos prepararmos melhor para querer estar lá.”
DISPARIDADE FINANCEIRA
Já tem uma disparidade muito grande financeiramente, principalmente de Palmeiras e Flamengo, e também, principalmente, para o resto dos outros. Nós não podemos competir com o Flamengo nas regras do Flamengo. Temos que competir com o Flamengo nas nossas. E, assim, sempre foi. O Flamengo sempre foi uma equipe de faturamento maior. Ela só está mais organizada, mas…
O centro do país sempre foi… Sempre trabalhou em número diferente do que os nossos. Quando saí do Grêmio e fui para o Corinthians, em 2007 para 2008, nós fomos fazer uma reunião lá no Corinthians para estabelecer as primeiras diretrizes de como iríamos jogar a Série B, porque o Corinthians havia decidido para a Série B.
E quando estávamos no meio da reunião, eu fiz um questionamento sobre qual o valor, mais ou menos, que poderíamos ter de folha, porque eles estavam passando por momentos de dificuldade. E, na época, o presidente era o Andrés (Sanchez) disse assim: “Olha, no primeiro semestre nós vamos ter dificuldades, assim, assim”. E perguntei, mas quanto mais ou menos poderíamos chegar? E ele disse: “No máximo R$ 3 milhões”. Aí eu respondi, brincando, que eu ia ver o que dava para fazer. Aqui no Grêmio a folha era R$ 800 mil.
Veja os parâmetros de diferença que é o centro do país para a gente. Continua sendo assim, um pouquinho mais para cá, um pouquinho mais para lá, mas o parâmetro é esse. Então quando falo de regras, é como eles se comportam para estar onde estão. Nós nós temos que competir com outros argumentos, temos que competir com organização, com um bom planejamento, com um projeto que vai além de uma temporada.
Nossos presidentes e nossos clubes não vão poder pensar só na sua gestão, vão ter que pensar um pouquinho mais longe, porque assim poderemos, com menos gastos e mais aproveitamento daquilo que temos, dos nossos recursos, chegar onde eles estão.
COPA SUL-AMERICANA
É uma possibilidade de título e a gente tem que sempre lutar por conquistas. Clubes como o nosso vivem delas, são elas que nos tornaram grandes como clube na ambição do torcedor. Quem já ganhou a Libertadores sempre olha meio atravessadinho para a Sul-Americana, mas eu sempre falo uma coisa, você só pode ganhar o que você está disputando.
Um dia, acho que falei isso uma vez lá na Série B, o pessoal meio bravo que tinha caído para a Série B, e eu disse ‘Gente, temos que lutar muito para não cair para a Série B. Mas quando você está na Série B, tem que lutar para ganhar, porque é isso que você está disputando.’ Não quero comparar com a Série B, a Sul-Americana, mas é ela que nós estamos disputando.
O que o que (a disputa do playoff) criou foi uma dificuldade a mais em si para os dois jogos, que atrapalhou um pouco no calendário nosso de brasileiro. Por exemplo, deixaremos de jogar duas partidas em casa, pelo Brasileirão, para estar jogando os dois jogos da Sul-Americanaah, mas depois vamos jogar quatro fora, o que cria situações que depois teremos que enfrentar.
Então esse foi o pecado, mas teremos um adversário que é possível de ser batido, que é o Alianza Lima, então vamos trabalhar para estar bem para enfrentá-los nessa hora. É uma realidade diferente dos pontos corridos. No mata-mata, é o retrato daquela semana, são dois jogos num curto espaço de tempo e você tem que estar bem. E estamos trabalhando para isso.
PERDA DA IDENTIDADE
Bom, acho que é importante aprofundar um pouquinho isso, para as pessoas não confundirem. Eu não acho que perdeu ou ganhou. Mudou. Estava mencionando esse fato, exatamente para lembrar que as coisas vão se transformando durante a caminhada, e que nem sempre é possível voltar para o ponto de partida. Provavelmente não vamos conseguir voltar para aquele Grêmio lá de trás, até porque o futebol mudou nesse período, e o Grêmio também, acompanhando a evolução.
O que eu penso é que ganhamos coisas nesse período, ganhamos uma capacidade técnica, de característica de jogo melhor, o time trabalha melhor a bola, o torcedor também já gosta que o time trabalhe melhor a bola. Mas não podemos, em detrimento desse ganho, perdermos aquilo que foi a característica sempre, que o torcedor também gosta de ver. E penso que é isso que estamos, queremos aliar isso à volta dessa disputa mais forte, de pressão.
Se a gente voltar um pouquinho, vai ver que bem recentemente, o Grêmio sempre fazia uma pressão muito forte sobre seus adversários dentro de casa. Quando nós chegamos aqui, isso tinha desaparecido. Essa capacidade de pressionar vem de jogar bem em termos técnicos, criar, mas também ter força física para empurrar o adversário para trás. E muitas vezes você até faz o gol na pressão mental, muito mais na pressão mental e física do que às vezes num lance técnico.
TIME IDEAL
Bom, eu sempre monto a equipe baseado na característica preponderante dos jogadores que temos no grupo. Diferentemente na Europa, exatamente pelas nossas limitações de poder contratar, de trazer momentaneamente, a gente aqui não monta a ideia e depois sai contratando, porque é quase impossível de realizar.
Então, a gente procura se aproximar ao máximo daquilo que se pensa e a partir daí definir aqueles que se destacam mais e que serão a base da equipe e a partir daí essa ideia mais preponderante. Eu acho que a equipe fica mais equilibrada em todos os sentidos.
Gosto que a equipe jogue e para jogar hoje tem que ser uma equipe com variantes, você não pode ter uma equipe estática. Dois pontas para ficar cruzando bola para um centroavante eu acho pouco e acho difícil de você se sobressair sobre outras equipes fazendo só isso porque as outras vão te neutralizar com mais atividade, vão fazer leituras mais rápidas sobre aquilo que a gente faz.
Então as variantes são exatamente para que a equipe, a partir de um determinado comportamento, saiba resolver os problemas de cada jogo. O jogador que mais nos aproximamos disso (jogar pela beirada), que surgiu de perna esquerda é o Alisson mas também tem um pouco de característica de atacante, mais atacante do que de meia.
Então ainda vamos desenvolver ele para trazer ele um pouquinho mais para dentro, dar um pouco mais de liberdade, mas isso vai ganhando com o tempo com essa confiança. Temos jogadores que não são canhotos, que podem fazer isso, que pode ser um terceiro pela direita.
Temos o Edenilson, que sempre foi usado nessa função, mas daí podemos trazer ele para dentro e fazer uma passagem do lateral com mais liberdade, mas solucionando desde que a equipe tenha trabalho e consciência de como resolver.
JÉMERSON
Primeiro que a gente não não leva muito isso (críticas exteriores) em consideração, porque se a gente levasse, toda semana ou todo mês “mataríamos” um jogador.
E acho que talvez o pior defeito do futebol brasileiro dos últimos anos é tentar matar um jogador a cada 30 dias como se ele fosse individualmente o culpado por todos os problemas que a equipe tem, e não é assim que funciona.
Um dos jogadores mais marcantes da época vencedora recente do Grêmio como capitão dos últimos nos quem é? Maicon. Pois é, a torcida do São Paulo deu ele de graça para o Grêmio porque também não deixava jogar no Morumbi, vaiava todo dia. Chegou num ponto até que o clube resolveu negociar o jogador e para a felicidade do Grêmio, ele veio para cá e se transformou.
Então assim, como assim que o cara não podia chutar na bola no Morumbi se tornou um jogador do tamanho como o Maicon? E isso aconteceu várias vezes com vários jogadores. Então é isso que vale. A gente trabalha, acredita, sabe que às vezes o momento não é bom, é óbvio que a gente sabe, mas se a gente entende que mesmo num momento não tão bom seja ele o melhor jogador para o time, para aquele momento, vai estar no campo.
E eles (jogadores) sabem que é isso que vale e é isso que faz recuperá-lo. Eles provaram em outros lugares, em outros momentos, que são jogadores de alto nível. Jémerson esteve na Seleção Brasileira, jogou na França, foi campeão no Mônaco.
VOLANTES
Todos os jogadores que temos para volante podem jogar lado a lado. Todos eles juntos, um pouquinho mais defensivo, um pouquinho menos. Para jogar lado a lado, com linha de dois volantes, para um 4-2-3-1, para um 4-4-2. Se quisermos armar um tripé de meio, com um volante mais central e dois médios, aí já muda um pouquinho de figura.
Foi por isso que a gente buscou o Alex (Santana). É um jogador que pode fazer esse médio, jogando com outro médio semelhante do outro lado. Por exemplo, temos meias como Cristaldo e Monsalve. Se eu tiver que colocar um dos dois num tripé de meio, acredito que eles terão um pouco de dificuldade para executar a parte defensiva que o cara do tripé tem que fazer, que o Alex não teria.
Então isso vai abrindo possibilidades por circunstâncias diferentes, que é o que a gente quer nessa hora. Villasanti também pode fazer o médio da direita. Aí a gente já vai tendo possibilidades. Posso usar o Alex dos dois lados. Posso trazer Edenilson com um tripé. Posso fazer dois médios, com Edenilson e Alex, por exemplo, com um volante central mais defensivo, mais fixo. Então vai me dando condições de fazer coisas diferentes que antes a gente não tinha.
CUELLAR
É muito comum criarmos essa expectativa. A gente sempre enxerga o jogador que saiu. Fica com aquele imaginário que o jogador que está voltando é o mesmo que saiu, principalmente quando ele saiu vencedor. E aí se cria uma coisa que não é real. O jogador que vai voltar não é mais o mesmo que saiu. E a outra questão é da onde ele vem.
Se você fica um ano na liga saudita, você você não perde muito, porque você fez 20 jogos a menos. Mas se você ficar seis, oito anos, são 20 jogos a menos por ano, façam as contas. São 150, 200 jogos a menos, com muito menos desgaste, a cobrança é menor. Não tem jeito, você passa a estabelecer-se num outro nível de exigência e o físico do atleta ele trabalha com adaptação, seja para mais ou para menos. E aí quando o jogador volta, é preciso ter um pouquinho de paciência.
O Cuellar veio e já foi para a competição. Isso criou para ele uma dificuldade. Aí veio a lesão, aí atrapalhou mais um pouco. Tudo isso está no pacote. Agora falta a competição, né? Porque a competição é uma questão importante nessa avaliação. O Cuellar está bem preparado fisicamente, mas o atleta tem que estar bem preparado atleticamente em geral.
E a competição faz parte dessa preparação e dessa avaliação que queremos ter. Vamos precisar ver os jogos iniciais para ter essa resposta. Acreditamos que vai acontecer e que o Cuellar vai ser o jogador que se criou a expectativa sobre ele. Não, obviamente, o jogador de 2019.

Mano: ‘O Cuellar veio e já foi para a competição. Isso criou para ele uma dificuldade’ | Foto: Lucas Uebel / Grêmio / CP
ELEIÇÕES E POLÍTICA NO VESTIÁRIO
Olha, já passei por muitos casos semelhantes. E vou confessar que se tem pouco problema dentro do vestiário em relação a questões políticas do clube. Principalmente quando elas não interferem nas questões básicas do que tem que ser feito para que o jogador seja exigido na íntegra, aquilo que ele tem que dar de retorno. Ou seja, quando o clube cumpre a sua parte com os jogadores, essas coisas não interferem nisso, a gente não tem quase problema nem.
Fonte: CP