Consumo de tênis esportivos se desloca do eixo Nike-Adidas

Brechas neste mercado concorrido estão sendo preenchidas por marcas estabelecidas, como New Balance, Skechers e Asics, e também por entrantes, como On e Hoka

Alguns modelos de tênis têm o apelo de item colecionável, seja pelo poder do marketing envolvido ou pelo culto às celebridades associadas a eles. São itens que deixaram de estar restritos às atividades esportivas e caíram no gosto dos fashionistas.

Embora algumas marcas se mantenham dentro de um mesmo formato por décadas, como é o caso do All Star, outras evoluíram com as preferências de consumo da sociedade até se tornarem uma commodity cultural, passando a ser objetos de desejo de algumas gerações.

Em um mercado mais nichado, a elite dos tênis esportivos sempre esteve associada à Nike e Adidas. Juntas, elas têm 30% do mercado global de tênis. A fatia da Nike é de 20%, os 10% restantes ficam com a Adidas.

Embora o público ainda as reconheça como referências, elas não estão mais isoladas nesta disputa. Ao se afastar das comunidades de corrida e priorizar o lifestyle, as líderes têm aberto uma brecha que vem sendo ocupada por marcas como On, Hoka e Asics. 

No Brasil, a pesquisa “Tecnologia e Esporte”, feita pela Ticket Sports, plataforma de venda de inscrições para eventos esportivos, em parceria com a Arena Hub, centro de inovação e fomento ao empreendedorismo com foco no esporte, mostrou que, no quesito uso de tênis de alta performance, as marcas preferidas são Asics (23,4%) e Olympikus (22,9%).

Novata no mercado, a Hoka foi criada há menos de 15 anos por dois corredores franceses e conquistou espaço nos Estados Unidos e Europa. Há quatro anos, boa parte dos modelos vendidos no exterior chega também ao Brasil.

O que guiou Nicolas Mermoud e Jean-Luc Diard, fundadores da Hoka, a criarem o primeiro calçado foi conseguir um tênis para superar os obstáculos típicos das provas de montanha. A solução foi um modelo com uma entressola alta e macia, que os ajudava a passar por pedras e desníveis com a sensação de voo sobre o percurso, permitindo a eles correr por mais tempo e com menos incômodo.

O conceito de um amortecimento mais robusto começou ganhando terreno entre corredores de montanha. Depois, conquistou os ultramaratonistas, os triatletas de longa distância e, finalmente, chegou aos corredores de rua. Tudo em menos de dez anos de existência.

No Brasil, a marca começou a se apresentar aos poucos. Em 2020, patrocinou a meia-maratona do Rio. O evento foi a primeira corrida de rua do mundo apoiada pela empresa. Um ano depois, os brasileiros passaram a ter acesso aos mesmos tênis que eram vendidos como novidade no exterior em um e-commerce próprio e em lojas especializadas. Hoje, os modelos mais vendidos, como o Clifton e o Bondi, custam entre R$ 1,3 mil e R$ 1,5 mil no Brasil.

Atualmente com três lojas físicas (São Paulo, Curitiba e Rio), a Hoka deve ultrapassar dez unidades nos próximos anos com espaços maiores e mais focados em experiência, como já fazem outras marcas, sobretudo em praças onde o reconhecimento ainda é menor, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, diz o relatório da companhia para o Brasil.

Mesmo atuando no segmento premium, com preços que chegam a R$ 2,5 mil, a operação brasileira tem conseguido reter consumidores que descobrem a marca no exterior. Mesmo com o câmbio atual, a diferença de preços caiu, e no Brasil o consumidor tem opções de troca e parcelamento.

Camila Rech, designer de varejo, diz que, em tempos em que a estética maximalista e ultracolorida tem reinado, quem olha para os modelos vendidos pela Hoka e os coloca em uma comparação rápida com Nike e Adidas pode ter a sensação de que as marcas líderes enfrentam um processo de desgaste. Ou seja, visualmente, os tênis da Hoka dizem mais sobre os hábitos de consumo atuais, aponta a especialista. 

Mesmo assim, nos números, a dupla clássica ganha com folga. Em 2024, a receita da Nike foi de US$ 33 bilhões. Logo atrás, Adidas obteve US$ 24,5 bilhões, enquanto a da Sketchers chegou aos US$ 9 bilhões e a da Hoka, em US$ 18 bilhões. No entanto, enquanto a Nike obteve um crescimento inferior a 1% na passagem de 2023 para 2024, a Hoka registrou uma alta de 27,9% sobre o ano anterior.

Na visão de Camila, a perda de protagonismo de marcas mais tradicionais, que hoje se deve a uma questão muito mais cultural, lá na frente pode ser também financeira. “Já vemos margens comprimidas por estoques excessivos, descontos e a lealdade do cliente mais inconstante”, diz.

Hoje, os calçados representam mais da metade do faturamento da Nike e Adidas, portanto, o que está em jogo é a capacidade de manter relevância e rentabilidade em um mercado mais fragmentado e repleto de renovação, especialmente entre o público jovem.

A linha Air Jordan, por exemplo, que se trata de uma parceria com o ex-jogador Michael Jordan, foi responsável por 14% da receita da Nike em 2024. No entanto, a saturação de lançamentos reduziu a exclusividade e o apelo da marca. Como resposta, a Nike começou a reduzir a oferta da linha para tentar restaurar sua atratividade, mas, ainda assim, enfrenta dificuldade em gerar novas ondas culturais de impacto semelhante.

A Adidas tentou algo similar, se aliando a artistas como Pharrell Williams e Beyoncé, e conseguiu muito lucro com a linha Yeezy, feita em parceria com o rapper Kanye West. Porém, a linha foi descontinuada em 2022, após West fazer comentários antissemitas nas redes sociais. Criada em 2014, a Yeezy gerou mais de US$ 1 bilhão em vendas anuais para a marca. 

Criado originalmente para o futebol de salão na década de 1950, o modelo Samba, da Adidas, está dominando as tendências e as redes sociais

Após a crise, o novo fôlego da Adidas veio do renascimento de modelos retrô, como o Samba, um modelo clássico que se tornou o grande protagonista de uma reviravolta no mercado. O retorno desse ícone não aconteceu por acaso. Influências do streetwear, colaborações estratégicas e o poder da nostalgia foram essenciais para sua ascensão.

Criado originalmente para o futebol de salão na década de 1950, passou por diferentes gerações, mas, por muito tempo, ficou restrito a um nicho. Porém, agora passou a dominar as ruas e os feeds dos fashionistas. O que mudou?

O ressurgimento começou de forma espontânea. Famosas, como Bella Hadid, Kendall Jenner e Hailey Bieber, começaram a aparecer em fotos usando o modelo. Sua estética minimalista, combinada com um aspecto vintage do Adidas Samba, virou febre nas redes sociais, tornando o item um dos mais procurados no mundo.

Desse barulho, vieram colaborações estratégicas que deram ao modelo ainda mais visibilidade. Versões assinadas por grifes e designers renomados, como Wales Bonner e Pharrell Williams, trouxeram novas leituras ao clássico e algumas versões se esgotaram rapidamente.

Por outro lado, Camila pondera se fenômenos como o do Samba não afastariam a marca cada vez mais de seu público de origem, o esportivo. Embora seja um clássico, o Samba viralizou no Instagram e no TikTok, com estilistas para produções casuais e sofisticadas. O que, segundo a especialista, prova que clássicos bem trabalhados têm uma vida longa no mercado, mas a grande questão é: como não deixar esse sucesso esfriar?

“Isso vai continuar, a onda de nostalgia que alimenta a moda e sua permanência nas postagens das celebridades mantém esse culto ao calçado muito vivo”, diz a designer.

Também considerada autoridade entre os praticantes de corrida, a japonesa Asics tem cerca de 70% de seus calçados na categoria running e entrou para o mundo da moda com algumas colaborações selecionadas com marcas cult, tornando alguns modelos altamente desejáveis.

Pares da primeira colaboração com a estilista Cecile Bahnsen, que resultou nos tênis de corrida Asics Gel, foram adornados com flores azuis salientes e são vendidos hoje a um preço médio de US$ 730. Os tênis, no formato original, eram vendidos por US$ 425.

A marca suíça On Running encerrou 2024 com US$ 2,5 bilhões em vendas e projeta chegar a US$ 3,3 bilhões em 2025

Outro destaque neste mercado, a suíça On Running prioriza modelos com tecnologia e aposta em embaixadores de peso, como o tenista Roger Federer, que virou sócio da marca. As linhas Cloudflow, Cloudmonster e Cloudsurfer estão entre as mais desejadas. A marca encerrou 2024 com US$ 2,5 bilhões em vendas e projeta chegar a US$ 3,3 bilhões em 2025, com crescimento forte especialmente na Ásia-Pacífico. A empresa também tem entre seus investidores a família Lemann e Sicupira, os mesmos que compraram a Skechers.

No Brasil, o varejo de calçados esportivos representa 10,8% do volume comercializado pelo varejo de calçados em geral. Em termos de faturamento, os calçados esportivos representam 21,3% dos valores movimentados no varejo calçadista.

Enquanto em 2023 o faturamento do varejo de calçados em geral foi de R$ 67,5 bilhões, o segmento de calçados esportivos movimentou R$ 14,4 bilhões. A aposta, segundo analistas do IEMI – Inteligência de Mercado, é por um crescimento da ordem de 5,3% no varejo de calçados, tanto o geral quanto a fatia específica dos calçados esportivos.

“Não dá para menosprezar duas histórias bem-sucedidas (Nike e Adidas), mas manter esse equilíbrio de forma global com tanta influência é um jogo novo. E, no fim, a decisão do consumidor fala muito sobre o mercado e o que está ocorrendo no mundo”, diz Camila.

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