R$ 34 bilhões do Bolsa Família foram desperdiçados com quem não precisava
O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou inconsistências de renda e de composição em, respectivamente, 40% e 33% das famílias registradas no Cadastro Único que recebem o Bolsa Família. A Corte estima que quase uma em cada quatro famílias seja inelegível, implicando um desperdício, em 2023, de R$ 34 bilhões que poderiam ter sido gastos para ajudar quem realmente precisa. Em meados deste ano, por exemplo, havia 438 mil famílias na fila do programa – famílias aprovadas, mas que não recebiam os pagamentos por “falta de recursos”. E isso só no Bolsa Família. O Cadastro é a base de outros 30 programas.
Decerto, a maior parcela de responsabilidade cabe ao governo Bolsonaro. Nas gestões do PT, os programas de transferência de renda eram razoavelmente bem-sucedidos em ajudar os miseráveis e alavancar votos. Isso se fez com programas pela metade, que privilegiavam a distribuição de dinheiro ao mesmo tempo que negligenciavam mecanismos de inclusão, perpetuando uma massa de dependentes que serviram de curral eleitoral. Um estadista teria eliminado os aspectos que fazem desses programas máquinas eleitorais e potencializado os que fazem deles máquinas de emancipação. Ao desfigurar o Bolsa Família, transformando-o no teratológico Auxílio Brasil, Bolsonaro fez o contrário.
Sem estudo prévio, driblando regras eleitorais e fiscais, Bolsonaro eliminou todas as contrapartidas – como a obrigação de cumprir o currículo escolar e o calendário vacinal –, criou um benefício único distribuído indiscriminadamente – o mesmo para uma pessoa e uma mãe solo com três filhos, por exemplo –, e desmantelou o Cadastro, abrindo espaço a todo tipo de fraude. Ao resgatar o Bolsa Família, o governo Lula saneou parcialmente essas distorções, mas o desarranjo cadastral ainda se faz sentir.
Estima-se que a maior fonte de fraudes seja o incentivo à fragmentação familiar em decorrência do valor mínimo de R$ 600, conferido independentemente do número de membros da família. Desde 2020, em descompasso com a demografia, as famílias cadastradas de uma só pessoa cresceram 224%. Há municípios onde mais de 50% das famílias são unipessoais. Há ainda equívocos em 15% dos endereços, cerca de 30 mil CPFs inválidos e mais de 280 mil que podem ser de pessoas falecidas.
A cadeia de irresponsabilidades extrapola o governo federal. Em relação ao Cadastro, a União tem o papel de “gerente”; os Estados, de “apoiadores”; e os municípios, de “executores”. Entre as causas das inconsistências estão a predominância da autodeclaração nos cadastros, a checagem frágil das informações em outras bases de dados e a negligência de visitas domiciliares pelos agentes públicos. Além dos protocolos frouxos, o TCU aponta que a União e os Estados não desempenham satisfatoriamente a orientação, supervisão e fiscalização dos municípios.
FONTE: CP.